Noite chuvosa

Quando olhou pela janela, já havia começado a chover. Não havia prestado atenção ao som das gotas caindo, sua mente estava ocupada com outras coisas. O céu estava carregado das mesmas coisas que tentava evitar pensar. Seu tom cinza não ajudava. “Todos os meus pensamentos são ela”, aquela frase no final do filme o deixou cansado.

Mesmo assim, saiu de casa. A cidade não parava só porque algo dentro dele parou por um tempo. Ficou parado na chuva, sentindo-a em sua pele. Sentir, era isso que queria, precisa lembrar que era humano.

Sentia-se tão vazio e vivia tanto no automático que começou a se questionar se ainda havia um resquício de humanidade dentro de si. Não conseguia lembrar quando seu último sorriso foi sincero.

“Toda tarde acaba em melancolia”, pensava agora naquele trecho daquela música. A cada passo pelas poças de água, sem guarda-chuva (não quis se proteger, pensou que seria melhor continuar sentindo a chuva o máximo possível), com o olhar baixo, as olheiras estavam começando a se tornar comum, as rugas em seu rosto aparecendo. O passado se foi.

Ao menos era o que ele gostaria que fosse verdade. Mas o passado o assombrava. Não conseguia se livrar dos fantasmas e das lembranças. Mais cedo naquele dia, havia pago todas as contas, tinha alguns trocados para sobreviver até final do mês. Perguntava a si mesmo se valia a pena viver assim.

Vale a pena continuar escrevendo sobre melancolia e solidão? Palavras virtuais vão ajudar a cicatrizar feridas? Talvez não. Talvez o que está sendo escrito seria algo que eu gostaria de falar para alguém, mas não há ninguém. Ninguém que se importe.

Tenho os olhos úmidos, mas tenho chorado menos que nas últimas semanas. Mudei de terceira para primeira pessoa porque se tornou pessoal. Era para escrever o inicio de um livro, mas aqui estou eu desabafando sozinho. E assim que mudei para primeira pessoa, parece que as palavras começaram a sumir.

Vejo o mundo ficando louco aqui da minha janela

Antes de mais nada, eu não confio em uma churrascaria que também vende sushi.

Agora seguimos.

Da janela de meu quarto de onde estou morando atualmente, do outro lado da rua, tem uma churrascaria de renome aqui na cidade, com um grande outdoor dizendo que além de churrasco, eles também servem sushi. O fundo da churrascaria é na direção da minha janela, então frequentemente vejo os funcionários saindo para fumar e desestressar.

Mas não apenas isso, vejo os funcionários chorando, quebrando coisas (hoje uma moça quebrou um cabo de vassoura em um container), brigando ou simplesmente fumando e conversando. Vejo como eles odeiam o trabalho deles, mas seguem nisso pela necessidade. Quem nunca trabalhou em um emprego que odiava apenas para poder manter um teto sob suas cabeças? É um mal necessário.

De madrugada, não tenho dormido bem. Nessa última noite um alarme ficou disparado a madrugada toda, não consegui ver se era de algum carro ou de uma das lojas próximas, mas só parou depois das 6h da manhã. Algumas pessoas que passaram quebravam garrafas, falavam alto, carros faziam barulho. Ah, como eu desprezo essa maldita cidade. Quem nunca morou em uma cidade que odeia por causa de seu trabalho?

Vejo motoristas quebrando regras de trânsito frequentemente. Infelizmente com mais frequência do que eu imaginava ser possível. No centro, quando vou ao trabalho, em apenas uma semana vi mais de 5 veículos furando o sinal vermelho e quase atropelando pessoas. Não é possível que achem isso normal.

Não é ansiedade de chegar cedo no mesmo lugar, as pessoas estão ficando mais idiotas mesmo. E eu culpo muito as redes sociais por isso. Antigamente culparia a TV, mas ela cavou a própria cova. Tenho estado cansado demais de tudo isso.

As chances estão contra nós, que apenas estamos por aí tentando sobreviver sem grandes expectativas. Se o que eu escrevo não faz sentido, não faz sentido continuar lendo. Mas o que eu digo não é mentira, não faz sentido ficar mentido. Nós sabemos como acaba, talvez essa a parte melancólica.

O tempo está passando muito rápido, as pessoas estão ficando mais imbecis e nós, que tentamos manter o pouco que resta de sanidade, estamos no mesmo barco que elas.

Se eu pudesse, deixaria essa cidade em chamas.

Ou talvez eu que fiquei louco antes da hora.